Segunda Conferência: Presente e Futuro da Mineração de Ouro na Província de Minas Gerais
Senhora, Senhor
Meus Senhores
Ao encetar esta conferência, vos devo prevenir que, neste instante, me possuem dois sentimentos diversos: receio e satisfação. Para expor o estado atual da exploração do Ouro na Província de Minas, terei de vos conduzir aos três grandes estabelecimentos do Morro Velho, Morro de Sant’Anna e Pary, e vos insinuar até na vida privada dessas companhias.
Como devo as informações que me habilitam a vos guiar nessas excursões aos diretores dessas explorações, que há um ano tão bem me acolheram e com a maior benevolência me forneceram todas as minúcias sobre os trabalhos de mineração, receio que hoje as palavras atraiçoem o meu pensamento e sejam interpretadas como indiscrição da minha parte. De antemão, protesto contra semelhantes interpretações.
Por outro lado, sinto-me feliz por ter ocasião de agradecer publicamente aos diretores dessas companhias a cordialidade e cortesia que tão cavalheiramente me dispensaram.
É bem conhecida no mundo a hospitalidade das companhias inglesas estabelecidas na Província de Minas; não há viajante ou explorador que não a tenha experimentado ao percorrer aquelas regiões.
A tradição tem sido respeitosamente conservada pelos diretores atuais que se esmeram em não perder tão lisonjeiro título conquistado pelos antecessores.
Na conferência anterior, vos disse que não se encontra Ouro em todos os terrenos do chapadão superior de Minas, mas que está particularmente localizado nos andares das itacolomitas, itabiritas e nos veeiros de quartzo que cortam os estratos desses terrenos.
Nas itacolomitas, muitas vezes o talco desaparece completamente, e se nenhuma substância viesse substituí-lo, ficaria uma rocha exclusivamente composta de grãos de quartzo.
Mas então aparecem, misturadas com esses grãos, quantidades consideráveis de piritas de ferro, arsenicais e magnéticas, que frequentemente constituem três quartas partes da rocha.
As primeiras, queimadas na brasa, exalam o mesmo cheiro que os fósforos inflamados; as piritas arsenicais dão vapores brancos que cheiram a alho; enquanto as terceiras exercem na agulha imantada o mesmo efeito que o ferro magnético. Essas piritas, na Província de Minas Gerais, vêm constantemente acompanhadas do ouro, de que são a principal rocha matriz. É uma camada de piritas auríferas que se explora no Morro Velho.
Esta célebre mina, que caracteriza o estado atual da exploração do Ouro no Brasil, está situada a cerca de 12 léguas ao norte, ¼ a oeste de Ouro Preto, no arraial de Congonhas de Sabará.
Por aí passa a estrada que da capital da Província conduz a Sabará, costeando o rio das Velhas, depois de transpor o colo da cordilheira divisória entre as águas que vertem para o São Francisco e as do rio Doce.
À direita e esquerda veem-se colinas sulcadas por grandes fossos abertos pelos mineiros do século passado; aí se acham grupadas as minas de São Vicente, D. Rita e Santo Antônio do Rio Acima, cujos últimos veeiros ainda virgens vão ser em breve atacados pelo almocafre e revelar ao mundo as riquezas que lhes atribui a opinião pública; e enfim o Morro Velho, oculto no meio dos últimos contrafortes da Serra do Curral que vem morrer nas margens do rio das Velhas.
O ar de prosperidade do arraial de Congonhas de Sabará, a animação relativamente grande que reina nas ruas, os carros cobertos de pesados madeiros, as muitas tropas que a atravessam, tudo anuncia a proximidade de um foco de vida industrial e um centro de atividade e trabalho. Transpondo a barreira que cerca a imensa propriedade onde estão estabelecidas as máquinas e as habitações dos 1.200 operários empregados nos trabalhos, nos acharemos imediatamente em um mundo novo e interessante.
Não nos incomodam o fumo, o pó negro nem o sibilo da máquina de vapor, apanágio das fábricas modernas: ainda não reina o vapor no Morro Velho. A água, caindo em cascata sobre enormes rodas de alcatruzes, é a única força motriz empregada. É o ruído de cascatas e pilões que nos guia pelas alamedas de um elegante jardim onde se grupam as habitações dos empregados e operários da companhia. Ao redor, serpenteiam regatos que transportam um pó negro com palhetas cintilantes e ligam os alpendres onde, noite e dia, 105 pilões trituram o minério aurífero.
Seguindo os vagões de transporte, daremos em uma enorme abertura, donde a cada instante sobem grandes tonéis cheios de quartzitos piritosos auríferos. A camada dessa rocha é quase vertical e já não é atacada na superfície; vai encontrá-la embaixo um poço que em 1875 tinha 193 braças de profundidade.
Bastam alguns momentos para ganharmos o fundo sem a menor fadiga, se nos colocarmos na caçamba que vai buscar o minério. Se, porém, quisermos evitar qualquer perigo, desçamos as 60 escadas que ligam o fundo da mina à superfície do solo. Nos veremos em um salão imenso de 420 pés de comprimento sobre 324 pés de largura.
As paredes da direita e esquerda, o chão e o teto são minério aurífero; 20 a 30 operários suspensos aos flancos da rocha martelam sem cessar as brocas que perfuram a rocha.
Dentro em pouco, inflamam-se os cartuchos de dinamite, e com ruído estrondoso salta a rocha sob a influência dessa substância explosiva que de direito vai substituindo a pólvora.
O trabalho mais dispendioso e longo é, sem dúvida, o do operário que abre o orifício onde se deita a substância explosiva. No Morro Velho, acaba de introduzir-se um aperfeiçoamento notável: já em 1875, cuidava-se do estabelecimento de um perfurador mecânico de sistema análogo às grandes máquinas empregadas na perfuração do Monte Cenis e que hoje produzem resultados muito vantajosos nos trabalhos do São Gotardo.
Já estava colocada a turbina que tinha que mover o embolo destinado a comprimir o ar nos tubos transmissores do trabalho d’água. Cerca de cento e cinquenta toneladas de minério sobem diariamente pelo poço de extração.
Enormes rodas de alcatruzes movem as bombas que esgotam as águas do fundo do poço. Essas águas vêm pela maior parte dos trabalhos abandonados há anos: a galeria atual pouco fornece e estão tomadas todas as precauções para a extração das que porventura aparecerem mais tarde. Nada escapou à inteligente direção do superintendente para prevenir dificuldades futuras. Por muito tempo nós poderíamos ocupar com estudos interessantes nesse gabinete de mineralogia onde se acham todas as espécies de piritas, arsenicais e magnéticas, estas últimas em soberbos cristais, carbonatos de cal e ferro, feldspato albito e titanato de cal.
Mas precisaríamos muitos dias; o tempo urge e por isto resignemo-nos a tomar o ascensor que nos restitui a luz do dia. Sigamos os vagões carregados do minério que vimos extrair; vão-nos conduzir aos alpendres onde em enormes câmaras se amontoam os quartzitos auríferos.
Em parte de uma aparece o metal precioso e, salvo alguns casos excepcionais, vem tão intimamente misturado com a rocha matriz, que é preciso muita atenção para distinguir com a lente algumas palhetas excessivamente tênues. Operários que aí trabalham há muitos anos podem nunca tê-lo visto.
No entanto, existe ouro: a análise dos químicos e as experiências nos pilões revelam a presença de quantidades notáveis desse metal; as informações que colhi me levam a atribuir ao minério a proporção média de 8 a 10 oitavas de Ouro por tonelada. Resta extrair o ouro. Os processos são os empregados pelos antigos com aperfeiçoamentos nos meios de execução.
O minério é reduzido a pó muito fino para que as palhetas de Ouro fiquem separadas dos grãos de piritas e quartzo, e lavagens metódicas desembaraçam o minério das partes mais leves sem perda notável de ouro.
Mas em vez de terminar a lavagem com a bateia, a areia enriquecida e íntima é demoradamente misturada com mercúrio, que se apodera de todo o ouro. Aquecido o amálgama a 360° centígrados, escapa-se o mercúrio e resta um bolo de ouro. Eis o princípio.
Passemos à execução. Não entra no meu plano fazer uma descrição minuciosa; seria um curso completo de metalurgia do ouro, curso que pertence à Escola de Minas. Por mais bem-feita que fosse, nenhuma descrição valeria uma excursão no Morro Velho. Os minérios são reduzidos a fragmentos por meio de um pequeno concassor, com queixadas do sistema Ilgel e Gezler, que efetua o trabalho de 40 operários, realizando por conseguinte considerável economia. Se esses aparelhos não se têm espalhado mais e existem só no Morro Velho, é porque a situação de Minas Gerais não favorece o desenvolvimento da indústria; por isso, seguindo o exemplo de todos os homens ilustrados dessa Província, não cessarei de chamar a atenção dos poderes competentes para a dificuldade e muitas vezes carência completa de vias de comunicação.
As pedras quebradas vão para os grãos dos pilões que os reduzem a pó, movendo-se em grupos de 10 a 20, por meio de uma única roda de alcatruzes. Cada pilão pode, em 24 horas, quebrar de 1 ½ tonelada a 2 de minério.
É indispensável que o pilão caia sempre sobre quantidade determinada de minério; se a camada é espessa demais, a altura da queda se torna pequena e o trabalho pouco considerável; se a camada é muito delgada, o pilão realiza trabalho inútil.
Para evitar esses dois inconvenientes, o pilão incumbe-se de se ir fornecendo com o minério de que precisa.
Quando não há no gral bastante minério, um descanso que existe no pilão bate em uma haste vertical de ferro, que se apoia em um canal de madeira que desemboca na canoa, onde se efetua a lavagem. Esse canal comunica com uma tremonha vertical em que está o minério; o abalo faz descer os que caem debaixo dos pilões.
A canoa de madeira onde se faz a lavagem é atravessada por uma corrente regulada com cuidado, que acarreta o minério reduzido a pó fino.
Saindo do cano, a torrente de água negra corre sobre um tabuado ligeiramente inclinado, com 7 a 8 metros de comprimento, e dividido longitudinalmente em compartimentos por meio de tábuas estreitas. Esse tabuado é coberto com pedaços de baeta, que retêm as substâncias mais pesadas que ocupam a parte inferior da torrente: o ouro, o ferro magnético, as piritas magnéticas e os fragmentos maiores das outras substâncias.
Dentro em pouco, essas baetas cobrem-se de uma camada de minério muito mais rico do que a área proveniente de uma trituração direta.
Para-se então a torrente e as baetas são lavadas com cuidado em uma caixa com água. No fundo, se depositam as areias auríferas que vão ser tratadas pelo mercúrio. Outrora, as águas, depois de passarem sobre as baetas ainda carregadas de piritas e pequena quantidade de ouro, iam formar um gato tributário de um pequeno afluente do rio das Velhas. No leito desse regato, se depositava grande parte das areias auríferas, formando aluviões cujas camadas iam todos os dias aumentando. Um habitante notável de Sabará, o sr. Manoel de Mello Vianna, a quem a Província deve a criação e o cometimento de empresas úteis e muitos exploradores, informações das mais interessantes, tentou a trituração desses depósitos e a lavagem na bateia. Tendo tido bom êxito, ele instalou abaixo do Morro Velho um engenho onde utilizava as substâncias rejeitadas como estéreis pelo vizinho opulento.
Mas o inteligente diretor do Morro Velho não podia consentir por muito tempo nesse estado de coisas: hoje, abaixo do tabuado, em que se faz a primeira colheita do minério aurífero, acham-se reservatórios onde se demoram as águas e depositam a maior parte das areias que tem em suspensão. Esses depósitos são reduzidos a um pó muito fino por aparelhos que lembram as primitivas mós de diorito, de que são notável aperfeiçoamento. Os arrastros (assim se chamam) compõem-se de blocos de diorito ligados por cadeias de ferro a um eixo vertical animado de movimento rotatório, em virtude do qual os blocos escorregam com atrito considerável sobre uma cuba circular de pedra da mesma natureza, aonde é levada a areia por meio de uma torrente. As areias provenientes dessa trituração passam por outra lavagem idêntica à que já descrevi: as baetas são lavadas numa caixa à parte, e naturalmente fornecem minério aurífero menos rico do que na primeira vez.
As areias dessas caixas são submetidas à ação do mercúrio e, por isso, colocadas em tonéis com proporções determinadas desse metal e d’água.
O Morro Velho possui 13 desses tonéis, que podem conter 17 pés cúbicos de areias auríferas, 50 libras de mercúrio e água em quantidade correspondente. Dão 12 a 14 voltas por minuto, e no fim de 20 a 24 horas termina-se a amalgamação. Depois abrem-se os toneis e enchem-se d’água para facilitar a transfusão. O conteúdo cai em caixas colocadas abaixo, tendo, cada uma, 200 libras de mercúrio.
O amálgama vai ao fundo da caixa; as areias sobrenadam e são levadas por uma torrente; para nada perder, ainda são necessárias uma série de precauções. As tampas das caixas são armadas de pontas de ferro e animadas de movimento de vaivém; esta espécie de ancinho agita constantemente a superfície do mercúrio e traz ao seu contato as areias antes de serem levadas pela água.
O mercúrio retém assim as palhetas de Ouro que porventura tenham escapado à primeira amalgamação.
As águas dessa lavagem passam ainda pelo tabuado coberto de baetas onde ficam os glóbulos de mercúrio e amálgama que aquelas continham.
O amálgama do Ouro é separado do mercúrio líquido pela filtração em um saco de linho; o resíduo é novamente dissolvido no mercúrio, lavado e filtrado em um saco de camurça. O bolo pesado que então se obtém é aquecido em um aparelho de destilação semelhante à retorta empregada nas fabricas de gás. O mercúrio volatiliza-se e vai se condensar em um tubo de ferro curvo que atravessa a parede do forno e desemboca alguns milímetros acima de um vaso cheio d’água. O Ouro fica na retorta em massa ligeiramente esponjosa; resta fundi-lo em um cadinho para obter as barras que são entregues ao comércio, depois de uma análise que lhes determina o valor. Os resultados obtidos no Morro Velho são bem conhecidos no mundo, e, para dar uma ideia, vos ofereço os algarismos seguintes de um relatório publicado em diversos jornais. De 10 de Abril de 1875 a 9 de outubro do mesmo ano, extraíram-se 28.552 toneladas de minério que forneceram 267.215,5 oitavas de ouro, isto é, 11 oitavas (35 gramas) por tonelada.
O benefício foi de 77.900 libras esterlinas; juntando o dividendo distribuído no semestre anterior, o interesse é de 50%, além de 10% tirados para fundo de reserva e de 7.743 libras esterlinas transportadas para a próxima conta. Peço-vos perdão, senhores, por citar esses algarismos que melhor caberiam em um relatório para acionistas; é que eles dizem a importância da mina do Morro Velho com mais eloquência do que todas as frases e os períodos sonoros de um orador que fale sobre empresas industriais. Tal é, senhores, a história sumária, muito sumária, da indústria da extração do Ouro no Morro Velho. Procurei indicar-vos as partes essenciais; não me iludo sobre a aridez e monotonia dessa descrição e, repito, uma excursão na mina vos dirá muito mais e sobretudo será muito mais agradável. Mas o que me seria impossível descrever é a inteligente, ativa e esmerada administração do superintendente que hoje governa o Morro Velho. Não lhe escapa minúcia alguma e nenhum trabalho se efetua sem que lhe tenha reconhecido a utilidade. Por toda a parte reina a mais perfeita ordem e nenhum cuidado é poupado para garantir o bem-estar material e moral dos operários.
O hospital rivaliza com a biblioteca: o médico e o sacerdote aí estão sempre prontos a dispensar socorros.
Se a mina do Morro Velho é um modelo para o engenheiro, a sua administração é o tipo que deverão seguir todos os que tiverem de dirigir semelhantes empresas. A descrição que fiz sobre a extração do Ouro no Morro Velho me dispensa demorar na dos trabalhos muito semelhantes da mina de Pary. Assim chamada por causa da fazenda em que se acha, a mina de Pary está situada a dez léguas ao norte de Ouro Preto e a duas ao sul da cidade de Santa Bárbara, nas margens do Piracicaba. Se o jazigo aurífero carece da pujança do Morro Velho, não menos interessa ao mineralogista e geólogo. É uma camada de quartzitos com veios de quartzo branco e pirita intercalada nos quartzitos talcosos, de que é separada por talco-xistos que lhe formam a capa e lapa. A camada de piritas arsenicais é atravessada por veios de anfibólio, pequenos estratos de talco-xistos anfibóliferos com granadas, abundantes sobretudo nos Sahlbande: ela tem apenas 2 m de espessura, inclina-se de 30 a 35º para leste, e acompanha a disposição dos terrenos em que está encaixada.
Não é um veeiro propriamente dito, mas uma camada que, depois de um deslocamento, produtor de uma falha, se impregnou de substâncias minerais; as areias, que a compunham primitivamente, foram assim transformadas em quartzitos piritosos auríferos. Não insisto aqui sobre essa distinção importantíssima entre os veeiros propriamente ditos e esse modo de jazida; terei de voltar mais tarde a este assunto. Os mineiros antigos tinham atacado a rocha aurífera nos pontos em que toca a superfície do solo, e seguiram-na descendo: por isso, as dificuldades foram crescendo para a extração do minério e o esgoto das águas. O diretor da companhia que recomeçou esses trabalhos, aproveitando a situação da camada na encosta de uma colina, abriu uma galeria com direção norte-sul, que parte do nível inferior do vale e vai cortar a camada. Essa galeria dá escoamento natural às águas e permite a extração do minério por meio de vagões.
A dinamite é a substância explosiva empregada, mas não existe aparelho para broquear nem quebrar o minério.
Este último trabalho é feito por mulheres que ganham 360 réis por dia, além da alimentação. Cada uma quebra mais de uma tonelada de minério por dia. O preço baixo da mão de obra não tem urgido a introdução de máquinas, que custariam muitos sacrifícios pela dificuldade de transporte por estradas péssimas. O minério é triturado por 35 pilões e amalgamado, como no Morro Velho. As areias são acumuladas junto do engenho, e aí esperam a solução do problema que irá permitir a extração de todo o Ouro indicado pela análise. Em Pary, não me parece suficiente a amalgamação direta em consequência do estado de combinação em que, julgo, se acha parte do ouro. O número dos operários e empregados sobe a 200. Mil toneladas representavam em 1875 a extração mensal do minério, aproximadamente. Parece-me que a proporção de Ouro obtida pelos processos empregados é de 10 a 12 grãos por tonelada. Falecendo-me documentos oficiais, não garanto a exatidão desse algarismo.
Apesar disto, os resultados não têm sido desfavoráveis: o que disse sobre a administração do Morro-Velho teria de repetir em relação à de Pary; o mesmo desvelo merece os mesmos elogios. Ao redor desses dois tipos de explorações auríferas, Morro Velho e Pary, se grupam muitas outras cuja enumeração iria longe. Citarei a da Passagem, a uma légua de Ouro Preto, que, abandonada por uma companhia, é hoje explorada particularmente por um hábil engenheiro que deu aos trabalhos forma científica e faz pesquisas. Pertencente à formação do maciço de Ouro Preto e vale do Antônio Pereira, é notável pela presença da Turmalina, que o anfibólio de Pary, e de outras substâncias, nas quais se acha o bismuto.
Cumpre mencionar a mina da Roça Grande, cuja camada aurífera é o quartzo compacto; a de Cuiabá, perto de Sabará, onde os trabalhos realizados sem guia por simples operários dão ainda excelentes resultados; as do Torquato e Campestre, perto do Antônio Pereira, nos quais existem verdadeiros veeiros de quartzo; e enfim a de Saragoça, nos arredores de Ouro Preto, que representa as últimas explorações de Ouro nesta cidade, outrora senhora das mais belas e ricas minas da Província. O morro de Sant’Anna nos oferece o estudo do segundo modo de jazida do ouro, tanto mais interessante quanto o creio peculiar ao Brasil: o Ouro se acha no meio da variedade arenosa dos quartzitos com ferro oligisto, a jacutinga. Essa mina está situada a 12 quilômetros de Ouro Preto e a ¼ de légua de Mariana, numa quebrada tributária do vale do Antônio Pereira e cujas águas vertem para o rio Gualaxo.
Aí já não precisamos descer poços nem a excursão é penosa; o pé anda em uma área ferruginosa e facilmente percorre as galerias quase todas secas. O almocafre menos duro basta para abater a formação. Em compensação, a mobilidade das camadas demanda muitas precauções no madeiramento. De todos os lados se oferece à vista uma área negra com zonas brancas e grãos de quartzo.
Onde está o ouro? Se a excursão se fizer nos dias afortunados da mina, será fácil com o dedo dar a resposta. Acha-se distribuído um tanto irregularmente por toda a parte, mas sobretudo concentrado em certas linhas que podem atingir a espessura do braço e formar uma série contínua de folhas, uma corda de ouro. A descoberta de uma linha pode num só dia pagar o trabalho de muitos meses. Ao contrário do que se dá nas piritas, o Ouro na jacutinga é sempre visível; basta a lavagem na bateia para pô-lo à evidência.
Mas até agora não se tem indicado o caráter certo para seguir essas linhas.
O mineiro tem por guia único a bateia; ensaia o minério da direita e esquerda e abre galerias nas direções que mais favoráveis lhe parecem.
No morro de Sant’Anna, tem-se descoberto quatro dessas linhas, colocadas em quatro andares, que mergulham para oeste e apresentam muitas dobras e ondulações. A espessura média dessas camadas onde o Ouro se acha concentrado nas linhas é de 15 pés, o comprimento de pouco mais de 30 braças ou menos. Um relevo de madeira construído por um hábil engenheiro da Companhia mostra facilmente todas as particularidades dessa exploração. As áreas no meio das quais existem as linhas são auríferas dentro de certa extensão; são submetidas a lavagens metódicas as que constituem um sistema completo, nas canoas e classificadores cilíndricos. Os fragmentos mais volumosos são quebrados pelos pilões e todas as areias, seja qual for a procedência, passam por um tabuado coberto de baetas.
A lavagem dos minérios se termina na bateia e as últimas parcelas de ferro magnético são tiradas por meio de um imã. O Ouro na jacutinga existe em palhetas bastante volumosas para que seja possível, sem o mercúrio, separá-lo quase todo. Os jazigos de jacutinga são mais facilmente explorados do que os quartzitos e, por isto, foram mais explorados pelos antigos. A exploração demanda muito maior vigilância; quando se encontra uma linha, os furtos são fáceis. Quantas vezes não saem os trabalhadores tendo os cabelos empoados de Ouro com uma camada de ferro oligisto por cima? Essas formações são mais procuradas, mas os resultados muito mais aleatórios.
É o acaso que preside a descoberta das linhas auríferas, cuja disposição ainda é um mistério; sobre este ponto há de fazer-se um estudo científico completo. Perto de Itabira do Mato Dentro, existe uma exploração de jacutinga de uma sociedade particular, formada nessa cidade que se assinala pela inteligente atividade dos seus habitantes. Seria interessante uma excursão às três minas exploradas de Itabira, Sant’Anna e Conceição; mas falta-me tempo para fazê-la, assim como para vos falar das minas análogas que existem ao redor de Itambé e Conceição do Serro.
Qual é a produção atual de Ouro na Província de Minas Gerais?
Carecendo de documentos oficiais, sou obrigado a me basear em vagas aproximações, que me levam a estimar em 7 a 8 bilhões de francos essa produção. Se das companhias se pode obter informações exatas, impossível é avaliar com aproximação satisfatória o Ouro colhido pelos faiscadores. Não há rio nem regato em que não se encontrem faiscadores, principalmente nos domingos, explorando frequentemente areias já lavadas diversas vezes. Cavam no meio dos regatos um pequeno canal de onde tiram os seixos volumosos, e à noite vêm lavar as areias depositadas nesses rudimentos de comportas. Alguns tornam-se muito peritos não só no manejar a bateia, mas até no conhecer à primeira vista as areias ricas de ouro.
Os três exemplos que acabei de citar autorizam desde já a responder a importante questão que tem sido e ainda será proposta muitas vezes: Estão esgotadas as minas da Província de Minas Gerais? Não.
O Morro Velho, o Morro de Sant’Anna e Pary aí estão para atestá-lo. Corroboram esta opinião algumas considerações que emanam dos fatos que na conferência precedente vos assinalei. Vimos que os mineiros do século passado apenas empregavam o pilão; careciam de meios poderosos para atacar rochas, e de motor suficiente para o esgoto das águas que invadiam as minas. Às suas explorações escaparam não poucos veeiros e muitas camadas. Outras tantas foram abandonadas, não porque tivesse diminuído a riqueza absoluta, mas por não poderem os proprietários continuar os trabalhos com lucro. Não conheço mina em que se tenham aberto poços de exploração que se prestem ao estudo do valor exato. Assim, a Companhia da Passagem abandonou os trabalhos depois de alguns anos, sem saber o quanto valia a camada que explorava. Como pensa o inteligente proprietário atual, bastam alguns poços para o esclarecimento completo sobre a riqueza e espessura da camada de pirita explorada, que com certeza tem grande extensão.
E essas minas são inesgotáveis, isto é, têm riqueza infinita? Não, decerto, pois à matéria, assim como ao número, não pertence essa propriedade. Mas pode-se contar com massas consideráveis para a exploração e esperar que os trabalhos continuem frutíferos até que só a profundidade os detenha? Os minérios crescem em riqueza à medida que os poços descem?
Para responder a essas perguntas, sou forçado a entrar em algumas particularidades sobre o modo de formação mais plausível dos jazigos auríferos. Este esboço de teoria baseia-se em observações que fiz, sem poder acabar por causa de outros trabalhos. Não me iludo sobre a sua insuficiência. Se me aventuro a indicar essas ideias, é na esperança de que as minhas palavras sejam ouvidas por quem queira auxiliar-me nesse trabalho.
Estudos posteriores poderão invalidar as minhas primeiras asserções. Não hesitarei então em corrigir os erros que tiver cometido e lançarei mão de todos os meios para atingir a verdade, única mira dos meus trabalhos.
A mina de Saragoça, perto de Ouro Preto, exemplifica com clareza as minhas ideias sobre os modos de formação dos jazigos auríferos. Ao sair da cidade, avista-se à esquerda um corte de 100 m de largura até quase o vértice da colina, de onde foram tirados os itabiritos e talco-xistos, e a espessura de 7 a 8 metros de quartzitos. É uma antiga exploração de ouro.
Foram lavados os itabiritos auríferos em certa extensão e tirados os talco--xistos estéreis que cobriam uma camada de quartzito com piritas arsenicais e Turmalina. Essa camada se ergue para 0 de 20+ a 25+ e é rica de piritas e ouro, sobretudo na parte inferior, nas margens do rio Carmo. As piritas diminuem à medida que se sobe e, na parte superior da colina, existem apenas vestígios desse mineral.
Avista-se no meio dessa pedreira um fosso meio entulhado, que ocupa o lugar de um veeiro de quartzo, cortando o plano de estratificação dos itabiritos, talco-xistos e quartzitos talcosos com piritas arsenicais e ouro. As piritas estão em filetes delgados ou pequenos nódulos distribuídos irregularmente na massa do quartzo. O Ouro também está disseminado com irregularidade: encontra-se algumas vezes em quantidade considerável nos buchos, mas em geral em pequenas fendas que sulcam o quartzo. Esse veeiro corresponde a uma falha, canal por onde chegavam ao meio dos terrenos superiores os vapores, gases e as águas que, das profundezas da terra, vinham carregadas de substâncias minerais.
Comparo esse canal a uma chaminé que, na parte inferior, se comunica com um fosso situado a uma profundidade desconhecida, mas muito considerável, e, na superior, com uma série de câmaras de condensação contendo areias, argilas e diversas outras substâncias. Na chaminé, se depositou fuligem que necessariamente devia se condensar em muito maior quantidade nas câmaras superiores, quando essas continham substâncias permeáveis ou espaços vazios produzidos por deslocamentos. O quartzo, as piritas auríferas representam a fuligem; as camadas do quartzito, itabirito e talco-xisto as câmaras de condensação. Os quartzitos e itabiritos, permeáveis, se impregnaram das substâncias auríferas; não assim os talco-xistos, compactos, que por isso em geral só contêm ouro, e em muito pequena quantidade, nas partes que tocam os veeiros de quartzo. É o que se vê na mina da Roça Grande.
O Ouro parece ter vindo em combinações solúveis que, em geral, se destruíram, ficando livre o metal. Não creio, porém, que essa decomposição se tenha dado em toda a parte completamente. No veeiro propriamente dito, isto é, na chaminé, existirá menos Ouro do que nos quartzitos. Nesses, o depósito aurífero será mais rico onde as águas se tiverem acumulado e demorado mais. Ora, é o que deve ter acontecido nas partes mais baixas em igualdade de circunstâncias, portanto, nas camadas dos quartzitos em geral, a riqueza deve crescer com a profundidade. Nos veeiros, só a experiência nos poderia fornecer uma regra prática; parece que em geral há diminuição na riqueza aurífera. Estão de acordo com essas ideias os resultados obtidos no Morro Velho e as informações que colhi na Passagem.
Mas, senhores, esta regra pode sofrer exceções provenientes de acidentes locais que não se pode prever. Muitas vezes, encontram-se pontos excepcionalmente ricos ou de pobreza desesperadora, enquanto mais acima ou abaixo as proporções de Ouro são inteiramente diferentes. O veeiro propriamente dito, a chaminé, desce a uma profundidade que não podemos determinar e, por conseguinte, a exploração aí será detida só pela insuficiência dos meios. As camadas, ao contrário, têm extensão determinada e até calculáveis com certa aproximação. É um trabalho estatístico que cabe aos futuros engenheiros de minas da Província.
É, pois, naturalmente limitada a exploração das camadas que pode, no entretanto, durar alguns séculos.
No chapadão superior de Minas Gerais existem grande cópia de veeiros e quartzitos piritosos auríferos; de qualquer natureza que sejam, a sua formação está intimamente ligada aos deslocamentos do solo, às sublevações que deram à região o relevo atual.
O estudo dessas sublevações, empreendido há mais de 30 anos pelo sr. Pissis, há de lançar muita luz sobre as disposições dos jazigos auríferos e formular regras muito preciosas para a direção dos trabalhos. Ademais, é mister introduzir na exploração todos os aperfeiçoamentos que a ciência tem descoberto. Quanto à mão de obra, não creio que o desaparecimento da escravidão traga notável mudança no regime econômico das minas de ouro; estas têm grande atrativo para os operários emigrantes: à descoberta de qualquer rico jazigo afluirão trabalhadores.
Ademais, a arte das minas está entregue, há mais de um século, a homens que fazem estudos científicos profundos e, por isso, muito se tem progredido. A todas as nações se tem proposto o problema do encarecimento dos braços na indústria mineira e por toda a parte se tem procurado diminuir o trabalho manual. O Brasil aproveitará a experiência do resto do mundo.
Para a agricultura, ao contrário, o sol e a chuva são os dois grandes engenheiros. Muitas vezes, os únicos guias dos trabalhos: os utensílios, pouco aperfeiçoados, relativamente às outras indústrias, variam com a cultura e a natureza do país; daí um estudo particular para cada região.
O tratamento dos minérios pode ainda fazer muitos progressos. Os arrastros são insuficientes e, mesmo em Pary e Passagem, o simples trabalho mecânico não conseguirá nunca a amalgamação completa, o Ouro se achando em parte combinado. A ustulação das piritas é o primeiro processo indicado; eu a aconselho. Haverá necessidade absoluta de condensar as fumaças provenientes da combustão, muito ricas de ácido arsenioso.
Deste modo, se poderá aproveitar o ácido sulfuroso, que se produz para a fabricação de ácido sulfúrico, ácido que nas artes representa o mesmo papel que o ferro na indústria.
Com ácido sulfúrico barato, será possível a preparação do cloro e, portanto, o tratamento dos minérios por via húmida.
As 30 ou 40 toneladas de enxofre das piritas, que todos os dias são rejeitadas por inúteis, se tornarão fonte de riqueza. Tirar partido desses resíduos é, portanto, um problema interessantíssimo que se nos apresenta. Não esperemos a repetição do fato que se deu com as escórias de chumbo argentífero de Laurium da Grécia, desprezadas cerca de 2.400 anos, até que foi empreendida com vantagem uma recente exploração.
Nas formações de jacutinga, o ataque da rocha pela água, segundo o processo da Califórnia e a amalgamação direta em comportas, com as modificações que requer a natureza dos minerais pesados que acompanham o ouro, produziriam muito bons resultados.
Indico, pois, simplesmente, senhores, os problemas que é preciso resolver para restituir as minas do chapadão superior de Minas Gerais o esplendor do seu passado. Para chegar à solução desses problemas são necessárias máquinas e estudos científicos, portanto, meios de transporte e uma escola onde se ensinem os métodos científicos. Ao primeiro desses misteres responde o caminho de ferro D. Pedro II, que, ligando-se ao rio das Velhas e ao São Francisco, representará a artéria principal do Brasil. Ao segundo, a criação da Escola de Minas de Ouro Preto, devida à tão alta e constante solicitude de Sua Majestade o Imperador, escola que espero, pelo zelo e trabalho dos professores e alunos se tornará digna da missão que lhe acabo de traçar.
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