Primeira Conferência: Passado da Mineração de Ouro na Província de Minas Gerais
Senhora, Senhor
Minhas Senhoras, Meus Senhores
Fazer o histórico da aparição sucessiva das diferentes substâncias minerais e dos diversos metais no uso doméstico e na indústria, importa estudar o desenvolvimento da civilização na superfície do globo. Tal empresa tem sido cometida por muitos autores que nos legaram livros notáveis, onde se vê que, na história dos tempos remotos, balda de documentos escritos e cheios de legendas obscuras. A divisão das épocas baseia-se na diversidade das matérias minerais dos instrumentos que serviam aos povos primitivos para a sua defesa ou usos domésticos. Não há dúvidas de que o homem, para viver, dirigiu-se a princípio aos reinos vegetal e animal; mas o desenvolvimento da sua inteligência, criando-lhe novas necessidades, levou-o a procurar no reino mineral os instrumentos de trabalho indispensáveis à satisfação dos novos misteres.
As pedras em que pisava já não lhe bastavam; precisava de substâncias mais duras e fáceis de transformar em instrumentos. A experiência lhe indicou os metais. Infelizmente, a maior parte dos metais só existe em diminuta quantidade no estado de pureza, próprio para o seu emprego imediato, e quanto mais preciosos são para as artes e a indústria, tanto mais esforços e trabalho são precisos para desembaraçá-los das combinações que lhes mascaram as verdadeiras propriedades.
Nesta substância negra, verde ou azul, infusível e friável, quem poderia, sem estudo prévio, reconhecer esse metal vermelho, facilmente redutível a fios ou lâminas delgadas, o cobre?
Neste pó vermelho como sangue, ou amarelo qual açafrão, como reconhecer à primeira vista o ferro, o mais útil dos metais? E, no entanto, só se encontra no estado nativo nos aerólitos, esses fragmentos de corpos celestes que costumam cair no nosso planeta.
O ouro, ao contrário, de utilidade industrial quase nula, se apresenta frequentemente no estado nativo: a cor, a inalterabilidade e o peso considerável bem depressa ensinaram a distingui-lo das matérias estranhas com que vem misturado. Com ele só podem confundir-se, à primeira inspeção, duas substâncias, que muitas vezes o acompanham: a mica amarela, denominada ouro dos gatos, e a pirita de ferro amarela. A primeira substância, cintilante à luz, distingue-se pelo pequeno peso e a facilidade de ser riscada pela unha, isto é, a fraca dureza.
A segunda, os mineiros instruídos reconhecem por meio do choque de um martelo; o Ouro se amassa e a pirita quebra-se. A propriedade que tem o Ouro de se achar frequentemente no estado nativo explica o fato de ter sido o primeiro metal conhecido pelo homem.
Em Santorini, uma das ilhas gregas, revolvendo cinzas ali existentes há milhares de anos, achamos, em 1870, casas contendo instrumentos de pedra, nenhum objeto de ferro, mas joias de ouro.
Se por si só o Ouro nenhum papel representa no progresso da civilização, as propriedades que o distinguem e lhe dão elevado preço fizeram depressa nascer no homem o desejo de possuí-lo. Daí as expedições desses ousados navegantes que tiveram por percursores os Argonautas, e que, impelidos pela sede de ouro, descobriram o Novo Mundo, tornando-se dest’arte obreiros do progresso.
E sem dúvida, se os Pinçons e Cabrais vieram guiados pelos mais nobres motivos, a ambição de transmitir seu nome à posteridade e conquistar novas Províncias para a sua pátria. Não se pode também contestar que a paixão pelo Ouro e a esperança de grandes riquezas devessem ter influído os seus companheiros de aventura a se arrolarem sob suas bandeiras e ligarem-se à sua fortuna.
Por isso, arribando a costa do Brasil, é natural que procurassem saber se o país que tinham descoberto possuía esse metal precioso. Os selvagens, em cujas mãos viram pela primeira vez ouro, foram os seus guias.
Não acredito, porém, que as populações primitivas do Brasil tenham dado grande valor ao ouro, como no México e Peru, nem se tenham esforçado por obtê-lo; porquanto ainda hoje os Nacknenuks e os Pochicas das margens do rio Doce trazem por adornos apenas algumas folhas de ouro, que do bom grado dão a troco de europeus.
Mas bastava um indício para alimentar a cumbuca dos recém-chegados.
É provável que se tenham achado Ouro em quase todas as áreas dos rios que em Pernambuco e no Rio de Janeiro se lançam no mar. Para extraí-lo dessas áreas, é de supor que se empregasse um vaso oco qualquer, em que se agitava a areia com água, de modo que ficassem no fundo as partes mais pesadas, das quais se separava o ouro; esse vaso, aperfeiçoando-se, transformou-se na bateia, instrumento tão indispensável ao mineiro de Ouro quanto a bússola ao nauta. É um vaso de madeira, tendo a forma de um cone raso.
O mineiro deita areia na bateia até os 2/3 da profundidade e coloca-se no meio de uma corrente em lugar fundo, em um tanque, ou ao lado de uma grande tina com água; enche a bateia d’água e a conserva na superfície, agitando-a continuamente para fazer entrar e sair a água; as areias finas são levadas e as matérias pesadas se dispõem em camadas superpostas pela ordem de densidade: com a mão, vai raspando as camadas superiores que não contêm ouro algum, e o metal se vai juntando no fundo, onde, dentro em pouco, fica só misturado com alguns fragmentos muito pesados, que facilmente se catam à mão ou com uma barra magnética. A tal ponto chega a habilidade de certos faiscadores, que, se o Ouro não existe em palhetas extremamente finas, a perda chega a 1%.
É para desejar que a bateia seja de cobre. Por mais dura que seja a madeira, ao fim de algum tempo perde o polido, as fibras se separam, partículas de Ouro ficam presas às paredes da bateia, que acaba por saturar-se desse metal. Nessas condições se é induzido a erros, quando não se presta muita atenção, ensaiando-se areias novas, pode-se achar no fundo Ouro que provenha não delas, mas das paredes da bateia.
As lavagens na Província do Rio pouco produziram e só se tornaram mais frutíferas quando os mineiros galgaram o planalto da Mantiqueira e se aproximaram do maciço de Ouro Preto.
Não era só nos rios e regatos que se encontrava o ouro, senão também nos saibros e areias que formam camadas nos vales e cobrem as vertentes das colinas, nesses terrenos de origem idêntica à das áreas dos rios, a que o geólogo chama aluviões e o faiscador cascalho, nome preferível, por designar uma espécie particular e especial à Província de Minas. A lavagem desse cascalho tomou notável incremento de 1670 até o fim do século XVII.
Na Serra da Mantiqueira, que se estende das margens do São Francisco a oeste, às do rio Doce a leste, e ao sertão de Goiás, não existe ponto em que o lavador de cascalho não tenha deixado vestígios da sua passagem.
O viajante, no pé da serra de Ouro Branco, que como uma muralha parece lhe tolher a passagem no caminho que conduz a Ouro Preto, avista à direita e esquerda, n’uma extensão de quilômetros quadrados, montes de seixos e saibro, cujo volume avulta a milhões de metros cúbicos; são escórias de nova espécie, destroços estéreis rejeitados pela bateia do faiscador.
Nos arredores de Ouro Preto, na base da Serra do Caraça, nas margens do rio Santa Barbara, Piracicaba e rio das Velhas, se encontram a cada passo cômoros de seixos semelhantes. Essa foi a cena em que se passou o primeiro período da exploração do Ouro na Província de Minas Gerais, período em que os arrojados exploradores penetraram em regiões de Goiás e Mato Grosso, onde ninguém depois atreveu-se a chegar. Todos os viajantes que visitam a Califórnia contam dos terríveis perigos que afrontam os bandos de descobridores de ouro, indo através de desertos sem água e sem florestas à procura de veeiros de prata e placers de ouro.
Esses perigos não se comparam com as dificuldades e os riscos por que passaram os primeiros faiscadores, percorrendo os sertões de Minas, atravessando florestas inextrincáveis e arrostando hordas de selvagens, sempre hostis, e muitas de inexorável ferocidade.
Pode-se ter ideia da lentidão de tais marchas e dos obstáculos a superar, lembrando-se que há 150 anos levava-se quatro dias para ir do lugar em que está Ouro Preto ao de Mariana, ao passo que hoje em uma hora se percorre os 12 quilômetros que separam as duas cidades. Poucas povoações se fundaram nessa época de 1660 até o fim do século XVII.
Deviam dar-se então os fatos que vemos nas regiões diamantinas: bandos de faiscadores afluíam para os lugares de riqueza reconhecida, e, depois de esgotado o cascalho, abandonavam os abrigos provisórios que tinham construído e punham-se à procura de novas regiões exploráveis.
Mas esse período de mineiros nômades foi transitório e deu lugar ao segundo, em que o Ouro foi explorado nas rochas para onde tinham primitivamente transportado as forças naturais.
Os exploradores, tendo trabalhado no chapadão da Mantiqueira e nas vertentes do maciço de Ouro Preto, chegaram a perceber que as rochas das montanhas e os terrenos dos flancos dos vales tinham grande analogia com os seixos que formam o cascalho. Daí naturalmente nasceu a ideia de que o Ouro devia achar-se nessas rochas.
Mas o problema, assim proposto em toda a generalidade, teria oferecido muitas dificuldades e exigido pesquisas infrutíferas. Felizmente, o Ouro era sempre acompanhado de grande quantidade de substâncias muito fáceis de reconhecer e ocupando níveis constantes. Essas substâncias eram o quartzo, ferro oligisto e as piritas de ferro e arsenicais. Para facilitar a descrição das jazidas auríferas, convém traçar um esboço da constituição geológica do chapadão superior de Minas Gerais. Peço-vos, pois, que me acompanheis na viagem de Juiz de Fora a Ouro Preto, e examineis comigo os terrenos que formos encontrando.
Não paremos ante qualquer rocha nova ou mineral interessante que se nos ofereça; a viagem se tornaria muito demorada. Desde Juiz de Fora até ao cume da Mantiqueira, andamos, em uma extensão de 11 léguas, sobre argilas vermelhas análogas às dos arredores do Rio de Janeiro e, como estas, provenientes da decomposição de uma rocha gnáissica, cujas massas enormes, ainda intactas, bordam os precipícios à direita da estrada.
Nesses gneiss, os elementos feldspatos, quartzo e mica estão dispostos em camadas paralelas e não misturados, como no Rio de Janeiro; ali a rocha se apresenta francamente estratificada, quando na cidade oferece uma estrutura porfiroide.
Já no alto da serra, no ponto culminante atingido pelos trabalhos do caminho de ferro, na Garganta de João Ayres, aparecem fragmentos de uma rocha inteiramente diversa; é composta de pequenas escamas brilhantes, muito tenra, que se reduzem a um pó branco muito macio, é uma rocha talcosa.
Nos arredores de Barbacena, os talcos tornam-se compactos, verdes e podem-se dividir em blocos, que facilmente se cortam e modelam; constituem a rocha conhecida com o nome de pedra-sabão, empregada em muitos pontos da Província para o fabrico de panelas e outros utensílios de cozinha. Os gneiss vão diminuindo à medida que as rochas talcosas crescem em extensão.
No alto das Taipas, aparecem pela última vez os gneiss não decompostos, e até o pé da serra de Ouro Branco anda-se em rochas talcosas com fragmentos de gneiss sempre mais raros.
A estrada nova, em uma das vertentes abruptas da serra do Ouro Branco, permite acompanhar a série de camadas superpostas aos talcos. São rochas arenosas com pequenas escamas de talco disseminadas na massa. Essas rochas pertencem à família dos quartzitos, dominante em todo o chapadão superior de Minas. São constituídas de grãos de quartzo apenas reunidos, o que torna a rocha muito friável, e de substâncias diversas: talco, mica e ferro oligisto, cuja presença forma diferentes variedades.
A maior parte da serra de Ouro Branco compõe-se desses quartzitos impróprios à vegetação e que, no entanto, produzem magnificas velozias e variedades arborescentes de arnicas. A esses quartzitos talcosos, sucedem outras rochas talcosas que facilmente se dividem em lâminas, propriedade designada pelo nome de xistosidade. Chamam-se, por isto, talco-xistos. São eles que formam o pequeno maciço do pico de Itatiaia, e se fosse lícito nos desviarmos da estrada que de Ouro Branco vai a Ouro Preto e tomarmos um trilho que conduz ao chapadão mais elevado desse maciço, iríamos dar nas imensas escavações disseminadas, quais crateras de vulcão, em um raio de algumas léguas ao redor de Boa Vista, Capão, Fundão e José Corrêa, donde a mão do homem tem extraído os belos Topázios, outrora tão estimados, até que o Diamante veio desentronizar todas as pedras de cor.
Os talco-xistos formam a massa de colinas e picos atravessados e sulcados por quebradas profundas, onde existem as nascentes dos rios mais interessantes do centro do Brasil: o rio Doce e o rio das Velhas.
É no centro desse maciço que se esconde pitorescamente a cidade de Ouro Preto, e acima dele que aparece, como um gigante que o domina de todos os lados, o pico elegante do Itacolomi.
De outro lado do rio do Carmo, que atravessa Ouro Preto, se mostram outras formações. São quartzitos muito mais duros do que os de Ouro Branco, nos quais o talco é disposto em camadas delgadas; esses quartzitos podem ser divididos em lajes, donde lhes veio o nome vulgar de pedras de laje.
Desde Humboldt, os geólogos em geral chamam-nos itacolomitos, posto que a rocha do Itacolomi seja um pouco diferente e as pedras de laje existam em muitos outros pontos do Brasil e da Europa. Se tivesse de adotar um nome, eu preferiria talvez o de pedra de laje, porque indica uma das propriedades mais úteis da rocha e não implica localização do jazigo.
A esta formação sucedem os talco-xistos ainda mais folhados do que os de Ouro Branco, a que chamo talco-xistos filadianos. Finalmente, todas estas formações são coroadas por camadas espessas de quartzitos com ferro oligisto, em que o quartzo pode desaparecer, e que constituem enormes montes de minério de ferro sem rival em todo o mundo, quanto à riqueza e abundância.
O nome de itabiritos, que lhes deu Humboldt, tem os mesmos inconvenientes assinalados para o itacolomito: é verdade que, ao redor de Itabira do Campo e Itabira do Mato Dentro, são estas as rochas dominantes, mas elas se estendem a mais de 100 léguas, e é na Serra da Piedade que aparecem com o seu carácter mineralógico mais franco.
Em Minas, a variedade dura tem o nome de pedra de ferro e a arenosa chama-se jacutinga, por ter a cor do jacu (branca e preta). Os itacolomitos, talco-xistos e itabiritos são atravessados em muitos pontos por veeiros de quartzo branco fragmentado, que representam os canais de comunicação entre as profundezas do solo e as camadas superficiais, as chaminés por onde vieram o Ouro e todos os minerais que o acompanham.
É-se naturalmente levado a pensar que existe Ouro nos veeiros de quartzo, mas sobretudo no meio dos itabiritos e itacolomitos. Mais tarde terei ocasião de descrever com cuidado os jazigos. Por ora, convém só apresentar-vos as amostras de minérios auríferos correspondentes a essas rochas.
Nos itabiritos compactos, o Ouro é raro e pouco abundante; na jacutinga existe quase constantemente e se acha concentrado em certas linhas de riqueza que a descoberta de uma só assegura ao mineiro grande fortuna.
Nos quartzitos, vem acompanhado de piritas de ferro ou pyrites arseniacaes, que formam a maior parte da rocha e constituem camadas com centenas de metros de espessura. Essa é a jazida de Ouro mais constante, rica e fácil de seguir. Nos veeiros de quartzo, é mais raro e muito irregularmente disseminado em pequenas fendas da rocha, correspondentes a falhas e nos buchos. Esses três modos de jazida foram bem depressa percebidos pelos exploradores que se internavam na Província de Minas. Foi a jacutinga que primeiro atraiu a atenção desses mineiros, que se puseram a lavá-lo na bateia, instrumento insuficiente para tais trabalhos auríferos. Vieram depois os quartzitos e os quartzos.
Naturalmente, dirigiram-se às camadas menos duras, não tendo meios de empreender trabalhos em rochas muito resistentes. Daí resultou ficarem intactas camadas muito ricas e outras serem apenas atacadas na superfície.
Em geral, os trabalhos eram a talho aberto: eram tiradas as camadas estéreis, de sorte que fossos profundos tomavam o lugar das colinas que se reconstruíam em outras paragens com os destroços transportados. Foi a época dos trabalhos gigantescos.
Quando da povoação do Rio das Pedras se vai a Santo Antônio do Rio Acima pelo caminho de Sabará, que borda o leito do rio das Velhas, avista-se um traço amarelado que sobe até ao cume da cadeia de colinas à direita; é um imenso fosso que, apesar dos desmoronamentos, tem ainda 30 metros de fundo e o comprimento de algumas léguas. É uma vasta camada de quartzito aurífero antigamente explorada. A esses trabalhos primitivos sucederam pesquisas mais racionais: foram abertos poços, galerias de exploração, e por toda a parte o solo foi minado.
Quem errar pelos arredores de Ouro Preto no meio dos destroços das antigas explorações arrisca-se, estando desatento, a sumir-se em algum poço oculto sob as ervas. Não eram só a perfuração dos poços e a abertura das galerias que obrigavam os mineiros a não explorarem senão as rochas tenras, mas principalmente a separação do ouro da canga, no meio da qual se acha disseminado. Na jacutinga basta a lavagem; porém, os quartzitos e os quartzos devem ser previamente triturados e reduzidos a pó fino. O martelo foi o primeiro instrumento empregado. Os fragmentos obtidos eram ainda muito volumosos. Para pulverizá-los, colocavam-nos sobre uma pedra dura, o diorito, chamado vulgarmente pedra de judeu, e moviam por cima com forte pressão outra pedra da mesma natureza. É a mó mais primitiva que se pode imaginar.
Pois bem, senhores, por mais grosseiro que seja este aparelho, ainda é usado em algumas pequenas explorações ao redor de Ouro Preto, e não há muitos anos uma companhia o empregava em grande escala.
Já foi um aperfeiçoamento a introdução do monjolo.
Não é preciso vos descrever essa aplicação tão simples da alavanca; é bem conhecida em todas as fazendas do interior. Dá no máximo 7 a 8% de trabalho útil, mas trabalha noite e dia e só se alimenta de água, que felizmente não custa muito em certos pontos do chapadão de Minas. Ao monjolo sucedeu o pilão, ainda hoje usado por toda a parte. Compõe-se de uma viga de madeira, armada com uma testa de ferro, que uma roda a eleva e deixa cair com intervalos regulares. O mineral colocado em um gral de madeira é reduzido a pó; as partes mais finas são levadas por uma corrente d’água, e a areia, assim enriquecida, passa à inevitável bateia.
Até quase 1820, foram esses os únicos processos empregados na Província de Minas.
Mas o pilão exige muito mais água do que o uso de pedra do judeu e o monjolo. Foi necessário buscar esse condutor indispensável a distâncias consideráveis; daí a construção de imensos canais que serpenteiam ao longo das colinas e caracterizam essa época da exploração do ouro. A grandeza de tais trabalhos surpreende muitas vezes o viajante.
Perdidos havia mais de 24 horas, no meio da serra do Caraça e lutando com mimosáceas e taquaras para abrir caminhos, avistamos um resto de aqueduto na encosta da montanha que debalde tenhamos tentado transpor. Alegres, concluímos que estávamos perto de um caminho ou alguma antiga exploração.
O distinto missionário que nos acompanhava nos surpreendeu bem desagradavelmente, informando-nos que eram destroços de um aqueduto de 15 quilômetros de extensão que vinha receber as águas perto do convento do Caraça para levar às minas do Brumado.
Mas apesar de muitos imperfeitos os meios empregados para extrair o minério e separar o ouro, nem por isso deixaram as explorações de tomar rápido incremento no fim do século XVII. Em 1698, foram descobertas as minas de Ouro Preto, São Bartholomeu, Ribeirão do Carmo, Itabira e outras. Os mineiros se tornaram sedentários e, como por encanto, surgiram vilas no meio das galerias e dos poços de extração.
Entre todas se distinguia a que hoje se chama Ouro Preto e então se ufanava do nome bem-merecido de Villa Rica. As ruas iam-se estendendo ao longo dos barrancos, donde o Ouro era extraído, as casas se empoleiravam nos declives das colinas donde saía a jacutinga, fonte de suas riquezas, e igrejas vinham coroar os cumes dos picos que o mineiro acabara de transformar em plataformas. Uma série não interrompida de habitações guarnecia a estrada de Mariana e formava como que um arrabalde comum às duas vilas.
Ao redor da serra de Ouro Preto se agrupavam as povoações de São Bartholomeu, Catas Altas, Inficionado e Antônio Pereira, rivalizando em riqueza e prosperidade. Ainda hoje, algumas dessas povoações apresentam ruínas que atestam o antigo esplendor.
No inficionado, algumas casas em ruína conservam sacadas artisticamente trabalhadas; quase não há casa em que não se encontrem móveis de jacarandá de trabalho delicado. As igrejas de Catas Altas e Caeté poderiam servir de catedrais a muitas cidades da Europa, e poucas são as que não possuem verdadeiros tesouros em vasos e ornamentos de ouro. Mas os arquivos do tesouro fornecem provas de outra ordem dessa riqueza.
Em 1714, um edito régio taxou em 130 francos o imposto por cabeça. Em 1713, o quinto andou por oito milhões de francos e de 1730 a 1750 cresceu até atingir a cifra de 80 milhões, que correspondem a 400 milhões de Ouro extraído. Juntando-se 100 milhões, em que se pode estimar as fraudes, a produção anual sobe a 500 milhões só na Província de Minas Gerais. Um cálculo completo dá a cifra de seis bilhões ao valor do Ouro que a Província de Minas forneceu ao mundo desde 1700 até 1850. Sem dúvida, nessa época deviam-se passar as cenas de embriaguez do Ouro que se reproduziram em certas cidades da América do Norte.
Nos jantares dados pelos particulares ao governador geral, era de estilo oferecer-lhe um prato de canjica, em que os grãos de milho eram substituídos por pepitas de ouro.
Em Villa Rica, os cavalos da escolta de honra que acompanhava certas procissões traziam ferraduras de ouro.
Poderia citar um sem-número de fatos análogos narrados por pessoas cujos pais foram testemunhas oculares. Mas essa riqueza foi diminuindo rapidamente desde os primeiros anos do século XIX; os trabalhos foram tornando mais difíceis; as galerias, se foram invadidas pelas águas, a mão de obra encareceu de sorte que a renda foi decrescendo, apesar do mineiro produzir a mesma quantidade de ouro.
Diminuiu consideravelmente o número dos trabalhadores de minas; de oitenta mil que eram no começo do século XIX, desceu ao número de mil até 1823.
Mas o Brasil já tinha se tornado senhor dos seus destinos, os portos estavam abertos ao comércio; ele apelava para a ciência e indústria do velho Mundo. A fabricação de ferro, em vez de proibida, era animada por todos os meios: o intendente Câmara estabelecia fornos no morro do Gaspar Soares, ao mesmo tempo que se fundava a fábrica de Ipanema. O espírito de associação se desenvolvia; companhias estrangeiras, certas de achar proteção eficaz nas leis do país, não hesitavam em fornecer capitais para a exploração das minas; as companhias de Morro Velho, Catas Pretas, Gongo-Soco e Pitangui reanimavam as explorações abandonadas pelos particulares. Em Gongo-Soco, a quantidade de Ouro extraída em 1829 foi de 2000 quilos, que valem cerca de seis milhões de francos. Mas tocamos na época atual.
Já ultrapassei o limite traçado por vossa paciência e não devo mais abusar da benevolência que me dispensais; resta-me mostrar o estado atual da exploração do Ouro na Província de Minas, descrever os veeiros, os processos empregados, apresentar os resultados obtidos e as conclusões que dos estudos geológicos se pode tirar para o futuro dessas explorações. São essas as questões que espero ter o prazer de desenvolver em próxima conferência, se me quiserdes honrar com a vossa atenção.
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